Ser jornalista dói

 Vida de jornalista não é faci!l
Victor Martins
Da equipe Manual dos Focas

Ser jornalista não é fácil, não dá para confundir com a profissão de ator, apresentador de talk show ou cozinheiro (não que tudo isso seja fácil). Ser jornalista dói. Você pode até se tornar um repórter burocrático, mas essa profissão é avessa a isso.
Na redação de jornal, o clichê é verdadeiro: mata-se um leão todos os dias. E não é dos mais mansinhos.
Quando se assina um contrato de trabalho, em letras invisíveis consta que aceitamos não ser mais donos do nosso tempo. Para ser jornalista é preciso desapego: de tempo, de sono e às vezes de família.
Não que a profissão seja ruim, ela só é árdua. Aquelas coisas que nos dizem na faculdade de que o “jornalista tem de ir fundo na lama para achar uma bela flor”, é verdade. Só que a lama é muito mais pesada, por isso é preciso gostar, ter reportagem na veia.
Ao escolher ser jornalista é preciso saber algumas coisas. A primeira, é que nunca deve-se marcar um compromisso para a hora do almoço ou para o fim do expediente. Não há como saber a hora em que você vai sair ou onde estará quando suas horas contratuais acabarem.
A segunda: Você vai ter fins de semana, mas não são tantos. No mais, muitos corpos e homicídios frequentarão suas lembranças. Nem sempre o lead aparecerá fácil. Em alguns dias, você vai ter medo da repercussão da sua matéria. Em outros, vai se sentir grandioso.
É preciso saber ainda que jornalista anda de mãos dadas com deus e o diabo, só não dá para saber quem está a cada lado. Por isso, o repórter nunca é ingênuo e sempre tem alguma intenção. Se não, alguma merda acontece. Ser jornalista não é ruim, é emocionante. A redação é o quartel general. A rua, o escritório, campo para viver coisas que muita gente só verá pela televisão ou por imagens impressas.

Caso: Ana Lídia o mistério completa 36 anos

Caso Ana Lidia Braga morreu em 1973 sequestrada e morta.

Ana Lídia Braga morta em 1973.

No dia 11 de setembro de 1973, uma terça-feira, a menor Ana Lídia Braga foi deixada no colégio Madre Carmen de Salles, na avenida L2  norte quadra 604, pelos pais Álvaro Braga e Heloysa Rossi Braga ás 13h30, sendo no carro também Álvaro Henrique Braga o filho do meio do casal. Logo após isso Álvaro teria sido levado até o Detran e dali seguido até a rodoviária. Seus pais em seguida foram para o DASP, onde trabalhavam.

Segundo o jardineiro Benedito Duarte da cunha, a menina foi levada do colégio pouco depois da saída dos pais por um rapaz desconhecido alto e loiro (embora algumas testemunhas tenham dito ter visto um rapaz num taxi vermelho que se dirigiu no sentido da UNB.) O pai imediatamente comunicou á polícia que começou as buscas, inclusive revistando barracos da Vila Planalto. Lá, um garoto de 5 anos teria dito ter visto uma menina loira acompanhada por um indivíduo alto e claro indo na direção da UNB. Ainda no dia 11, foram encontrados, próximos ao Iatê Clube três cadernos, uma caixa de lapís de cor e uma fransqueira; a boneca de Ana Lídia que foi achada perto do quartel dos Fuzileiros Navais.

Foram feitos alguns pedidos de resgates, o primeiro no valor de 2 milhões de cruzeiros, que foi considerado como trote e outro no valor de 500 mil cruzeiros, que deveriam ser deixados perto da ponte do Bragueto pelo pai da criança. O corpo da menina só foi encontrado no dia 12 de setembro ás 13h no terreno da UNB por um grupo de políciais. Estava numa vala semi-enterrada, com os cabelos grosseiramente cortados. A péricia chegou ao local ás 13h30, e começou o levantamento do terreno.

Ánalise de um crime barbaro

Ápós a exumação do corpo de Ana Lídia Braga, os peritos constataram que a garota foi violentada enquanto estava viva, morrendo asfixiada por não resistir á pressão sobre o toráx e o rosto contra a terra. Havia ainda sinais de estrangulamento, o que se juntando aos sinais do estrupo constituiu um crime atroz e mosntruoso, sendo que vários médicos psiquiatras construíram o perfil psicológico como um pervetido sexual sádico. Segundo peritos, tal fato teria ocorrido entre 4 e 6 horas da manhã de quarta-feira, 12 de setembro de 1973. O corpo foi encontrado numa vala, com duas camisinhas usadas ao seu lado, onde ainda havia marcas de pneus de moto.

As falhas de um crime impune

Um crime bárbaro, dois acusados, muitas suspeitas e nenhuma resposta. Entre tantos pontos obscuros sobre o assassinato de Ana Lídia, que completa 36 anos hoje, uma certeza permanece cristalina. Promotores, juízes, desembargadores, policiais e especialistas que acompanharam o processo são unânimes em afirmar que houve falhas na investigação. E o resultado não poderia ser outro: o crime ficará impune.

As investigações da Polícia Civil na época concluíram pela inocência de Álvaro Henrique Braga, irmão de Ana Lídia, e Raimundo Lacerda Duque. O delegado Mário Stuart, chefe da Delegacia de Homicídios, assumiu o caso uma semana após a morte da menina e instaurou o inquérito. Para ele, os dois são inocentes. ‘‘Só tenho uma hipótese para o crime: sexual’’, afirma. Ele diz que não conseguiu provas para apontar o autor.

A tese do delegado é contestada por especialistas em criminalidade. A promotora do Tribunal do Júri de Brasília, Maria José Miranda, entende que uma pessoa sob efeito de drogas pode cometer crimes bárbaros como o que vitimou Ana Lídia. ‘‘Se fosse crime só sexual, os policiais fariam esforço para eximir da culpa os acusados’’, observa. Até a família de Álvaro não deu importância à carta e ao telefonema à polícia pedindo resgate para a devolução da menina.

Maria José atribui às falhas nas investigações a responsabilidade pela não condenação dos acusados. Apesar de não ter lido os autos, a promotora avalia que um dos erros mais graves é que a polícia não juntou ao inquérito o retrato-falado do suspeito, muito parecido com Duque. ‘‘Não precisava ser Sherlock Holmes para saber que um retrato-falado ajuda na resolução de um crime.’’ Ela acredita que se o crime tivesse ocorrido hoje a polícia o desvendaria.

Sem empenho da família

Na época do crime, a polícia ignorou outras pistas, como o álibi usado pela família de Álvaro para inocentá-lo. A justificativa é de que ele teria ido à rodoviária e ao Detran. As marcas de pneu de moto encontradas ao lado da vala onde estava o corpo de Ana Lídia não foram confrontadas com a Yamaha de Álvaro. Os investigadores não foram às poucas farmácias que existiam no Plano Piloto apurar vendas recentes de camisinha. Na década de 70, a população não tinha o hábito de utilizar o protetor.

O delegado Luiz Julião Ribeiro, chefe da Delegacia de Homicídios e, segundo a promotora, um dos melhores investigadores do país, comentou o crime. Mas fez questão de ressaltar que não tinha acompanhado o processo, apenas leu a cópia do inquérito. ‘‘A impressão que tive é de que não houve vontade da família em desvendar o caso.’’ A forma como a criança deixou a escola chamou a sua atenção. ‘‘Ela não sairia de lá se não fosse com alguém conhecido.’’ Julião analisou o perfil do assassino e afirma que dificilmente ele assumiria um crime tão bárbaro. ‘‘Quando o homicida mata por raiva, é mais fácil conseguir a confissão.’’ Na opinião do delegado, quem matou deveria estar sob o efeito de drogas.

O caso seria desvendado se na época existisse o exame de DNA. A diretora do Instituto de Pesquisa de DNA Forense da Polícia Civil do DF, Cláudia Regina Mendes, explica que na década de 70 o único exame possível com o esperma recolhido seria para excluir suspeitos.Falhas elementares na investigação, falta de cuidado com a conservação de provas e esquecimentos suspeitos colaboraram para que o criminoso não tenha sido punido. Relatório do agente Francisco Pedro de Araújo, elaborado três anos depois do assassinato, aponta as falhas da polícia: O retrato-falado do criminoso não foi anexado ao processo.

Um dos métodos clássicos de investigação policial é a divulgação de documento com as principais características físicas de suspeitos de crime. Os dados são coletados por testemunhas. O retrato-falado do suposto assassino é muito parecido com Raimundo Duque, um dos acusados do crime. O delegado Mário Stuart, chefe da Delegacia de Homicídios na época, disse ‘‘não se lembrar’’ por que o retrato não foi anexado ao processo. Não foram feitas diligências em farmácias para tentar descobrir onde os suspeitos teriam comprado camisinha.

Ao lado do corpo de Ana Lídia, a polícia encontrou duas camisinhas usadas. A promotora Maria José Miranda, do Tribunal do Júri de Brasília, considera uma falha grave não se ter checado onde o produto fora vendido e descobrir quem teria feito a venda. O vendedor poderia ter reconhecido o suposto assassino. Na época, havia poucas farmácias na cidade e camisinhas não eram utilizadas com freqüência. Não foi feito exame grafotécnico, comparando a escrita à mão com a caligrafia dos suspeitos. Os tipos usados na carta de resgate não foram comparados com os das máquinas de escrever da SAB, onde foi encontrada

Um funcionário do Supermercado SAB, da 405/406 Norte, encontrou, sobre uma pilha de sacos de arroz, uma carta endereçada a Álvaro Braga, pai de Ana Lídia. Em texto escrita à máquina, num envelope manuscrito, o seqüestrador exige 500 mil cruzeiros pela devolução de Ana Lídia. O dinheiro deveria ser colocado num local próximo à Ponte do Bragueto até a sexta-feira 14. O álibi de Álvaro, de que fora à rodoviária e ao Detran, não foi checado a família dele deu essa versão à polícia. Caso o irmão de Ana Lídia tivesse ido mesmo aos locais, as pessoas que supostamente o atenderam poderiam ter confirmado ou não. Nem Álvaro nem os pais de Ana Lídia comentam o caso com a imprensa.

“Quem não é culpada, grita e esperneia para provar a inocência”, comenta a promotora Maria José Miranda. As marcas de pneu de moto não foram coletadas, por molde de gesso, e nem comparadas com a Yamaha de Álvaro os vestígios estavam ao lado da vala onde o corpo da menina foi encontrado. Para a promotora Maria José Miranda, seria um indício de que Álvaro poderia ter estado no local. As freiras da escola onde Ana Lídia estudava só foram ouvidas mais de um ano depois do crime.

Segundo o ex-presidente do STJ Romildo Bueno, na época desembargador que julgou o caso, a polícia errou ao não ouvir as freiras do colégio Madre Carmem Salles no dia que Ana Lídia foi seqüestrada.

O tumulo de Ana Lídia, que esta no cemitério Campo da Esperança, recebe visitas em datas como no seu aniversário de morte, dia das crianças e finados quando várias pessoas deixam flores brinquedos e outras homenagens ou pedindo graças que muitas vezes são atendidas, criando na sombra de sua morte peregrinações religiosa considerando- a uma santa pagã de Brasília.

Fonte: Correio Braziliense